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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sobre minha translação.




Por Fernando Tenório



Resolvi presentear-me com um balanço geral sobre o ano que vivi e também sobre mim. Afinal, estamos girando, como a Terra, em rotação e em translação, em torno de nós mesmos e das nossas próprias histórias. A data que nascemos serve como um marco, um símbolo para denotar narcisicamente nossa vida de importância. A possibilidade do reencontro, nos anos que se avizinham, com os mesmos temas é muito grande, mesmo que sejam outros os atores, as histórias tendem à repetição. Mas, podemos nós tratar de interromper o ciclo infinito dos astros? Não repetir histórias parentais? É difícil! Há tendência a voltarmos aos mesmos "pontos", nossos e dos nossos antepassados. Pontos bons e maus. Saudáveis e patológicos.

Carrego comigo uma sensação de que cada passo dado é definitivo, pois à medida que avanço, tenho a impressão que avança sobre mim um abismo na mesma velocidade. Tento correr o tempo inteiro, em vão. Presa a mim há muita impulsividade, talvez fruto da fantasia de que não posso parar sob risco de ser devorado pelo grande penhasco, sendo necessárias decisões rápidas por puro instinto de sobrevivência. Trago ainda, a sensação que cada decisão que tomo é definitiva e sem retorno, consequência/causa da impulsividade, pois à medida que ando os caminhos percorridos afundam, deixando-me sem alternativas de voltar.

Há em mim um grande medo. O de olhar para esse abismo. Ao olhar poderei ver minhas histórias do passado refletidas, acabar hipnotizado e não mais tirar a vista de tal lugar. Pode surgir ainda o desejo inócuo de refazer algumas coisas, mergulhar no mar de lembranças e não mais seguir. Há ainda, o medo de parar e o abismo continuar ganhando vida e me absorver, fazendo de mim somente memória da vida alheia. Tudo isso é meu. Essencialmente meu. Independente de quantos anos eu complete. Por mais que digam o contrário e eu saiba que estou equivocado, não consigo pensar e agir diferente. A complexidade é uma de minhas marcas, continuo odiando queijo e adorando pão de queijo.

Continuo a tecer relações com finas linhas, que costumam perder continuidade à mínima ventania. Tenho trabalhado nisso. Os pontos tornam-se cada vez mais firmes, formando cada vez bordados maiores. Mas ainda continuo deixando falhas, sobras de linha. São menores a cada translação, mas persistem. E a ventania teima em querer desatar os nós que teço. Geralmente, não ligo muito para os bordados, até que os ventos os levem. A supervalorização da perda assola a todos os seres humanos, mas creio que entre os humanos eu seja um dos mais acometidos. Não falo por orgulho, mas como reconhecimento de um fato a ser mudado.

Quanto aos nãos que a vida me presenteia, vivo a fantasia de querer convertê-los ao sim que pretensamente mereço. Nada mais humano que o sonho da onipotência, e não há nada mais destrutivo do que a proximidade dela. O respeito ao desejo do outro talvez tenha sido o meu maior avanço no ciclo que se encerra. O peso de carregar os nãos é muito menor do que o fardo de tentar revertê-los sem cessar.

Se terminarei outra translação ninguém sabe. O reflexo da morte nos ronda diariamente, talvez eu não queira olhar o abismo por isso, ele é a imagem dela, concretamente ou uma morte muito pior, idealizada por mim, que nos mantém encarcerados em angústias, vivendo um tipo de morte a cada dia. Mesmo provocando horror, creio que esse reflexo é positivo. O zelo pelo que pode ser quebrado, destruído ou tirado de nós, faz crescer. Valorizamos mais as pessoas, as relações e as situações vividas.

Se há uma coisa que aprendi ao longo desse ano é que a efemeridade das coisas torna a vida ainda mais bonita. Antes, ficava perturbado com o cair de flores e folhas, pois jamais veria aquilo de novo. Trazia comigo a impressão que não poderia amar e gostar muito de algo, já que tudo está fadado ao fim. Eu exigia o pra sempre! A imortalidade! Essa era minha condição para entregar-me a algo. Só depois de combater essa alienação infantil e deletéria é que pude respirar aliviado. Não consegui vencer totalmente, mas avancei. Somente com essa mudança de postulado sobre a fugacidade das coisas é que pude viver mais. Se o cair da noite é bonito, que seja ainda mais bonito por ser único e ter seu fim certo para manhã seguinte.

Findo o que me propus a escrever, agradecendo a todos que me fizeram compreender melhor a vida e participaram desse ciclo, tornando-me melhor e mais feliz. Aos amigos, peço sorrisos de presente. Caso não possam, peço-lhes sinceridade, mesmo que venha acompanhada por um olhar inexpressivo, um abraço ou uma lágrima.

2 comentários:

  1. E espero que a cada dia voce tenha boas descobertas, supere seus medos e ambicoes. Seja feliz. Viva intensamente!

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  2. Bela reflexão! interessante essa história de abismos n é? alguns sentem-se tontos ao olhar para eles, outros se interessam em olhar cada vez um pouquinho mais e apesar do medo sempre descobrindo fatos curiosos q o circundam e que n tinham notado antes, como uma simples arvore nascendo ali um pouco mais no fundo... algo antes impensado. Outros descobrem q podem passar pelos abismos com prazer, alguns utilizam o bungee jumping para isso, outros asa deltas... mas o q de fato é mais curioso é q o abismo pode ser apenas um buraco quando olhamos para tudo aquilo que está fora dele, olhando pros lados e pra cima...saindo daquele "transe" fixo... desfrutando naturalmente da terra forte, fertil e firme que pisamos todos os dias! :) Que voce desfrute bem de todo o terreno verde e florido que vc tem! felicidades e abraço!

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