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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Sobre o medo e a ternura.

“(...) As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.” ( Carlos Drummond de Andrade- Os ombros suportam o mundo)



Hoje fui sacudido por uma informação que deixa indignado qualquer indivíduo que carrega em si um resto de dignidade. Em uma sala de reuniões na Universidade Federal de Alagoas decorria uma palestra de orientação de como nós, estudantes de medicina do 5° ano, deveríamos agir e nos portar nas comunidades da periferia de Maceió que são atendidas pelo programa de saúde da família.

No meio das discussões várias perguntas foram feitas e respondidas. Tive a coragem de perguntar se poderíamos abordar temas políticos, mostrando a determinação social da doença. A resposta princípio foi satisfatória, um sonoro “sim” por parte dos professores presentes. Depois de alguns segundos, fez-se uma ressalva visando mostrar a realidade e nos proteger. O professor salientou para evitarmos o assunto drogas, pois em várias comunidades os diretores das unidades de saúde, assistentes sociais e outros profissionais já foram ameaçados por tocar no tema.

Ao ver minha cara de espanto o professor contou o caso de uma diretora médica que recebeu um morador da comunidade. “Por gostar muito do atendimento do posto”, o morador foi lá avisar/intimar para fechá-lo por uma semana, pois haveria uma disputa entre dois grupos de traficantes rivais em uma área próxima à unidade. A unidade foi fechada e a guerra realmente aconteceu.

A outra médica presente colocou mais elementos sobre essa situação e falou sobre uma assistente social de uma escola próxima a sua unidade de saúde que recebeu um morador da comunidade envolvido com tráfico. Ele foi lá “pedir” para que o tema drogas/crack não fosse tocado na escola, nem nas visitas as casas das crianças que lá estudavam. Depois disso, os convidados ratificaram novamente o cuidado que teremos que ter para falar sobre determinados temas nas comunidades e pediram para que falássemos sobre álcool e tabaco, mas sobre as outras drogas não.

Ao voltar pra casa fiquei com isso na cabeça, chegando a incomodar e várias indagações surgiram. É esse o legado que deixaremos? Deixemos então que o ciclo de violência continue e aumente exponencialmente até que nossas janelas fechadas já não consigam mais nos proteger da realidade que não queremos enxergar? Seremos capazes de lavar a consciência junto às vestes diárias?

Logo nas áreas de maior vulnerabilidade para o consumo não se pode falar sobre drogas. Isso fere qualquer princípio, chega a ser brutal, imoral. O medo pelas histórias contadas também me tomou, mas ao mesmo tempo chegou a ternura. A ternura de ver crianças sendo aliciadas sem nenhuma defesa, ficando a mercê do tráfico. Por uma segurança momentânea, estamos negligenciando informações que podem alterar vidas, salvar vidas.

Se o medo fizer o silêncio imperar teremos que conviver com mais situações dessas no futuro, e as crianças que hoje estão sendo aliciadas e estão em situação de risco podem posteriormente, quando adultos (caso cheguem a tal ponto da vida), aliciar e também ameaçar alimentando um novo ciclo. Sei que o instinto de sobrevivência é primitivo, porém a omissão não é sobrevivência. A omissão é uma forma de adiar os fatos para que eles venham no futuro de uma forma mais cruel. Enquanto isso mais uma música é tocada no Rock in Rio...

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